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A verdade obscura por trás das clínicas de reabilitação – Uma análise das práticas da rede Kairos
Em setembro de 2023, a vida de Onezio Ribeiro Pereira Junior, um homem de 38 anos, chegou a um fim trágico dentro das paredes da clínica de recuperação de dependentes químicos Kairos, localizada em Embu-Guaçu, região metropolitana de São Paulo. Seu corpo apresentava sinais claros de espancamento e estrangulamento.
A rede Kairos: Um panorama perturbador
Os eventos que levaram à morte de Onezio não foram um caso isolado. A clínica Kairos já estava sob investigação por homicídio desde março do mesmo ano, quando um paciente de 27 anos foi encontrado morto com marcas no pescoço.
As denúncias contra a rede Kairos não param por aí. Outras unidades da rede estão sendo investigadas pela Polícia Civil por suspeita de tortura, lesão corporal, desaparecimento e pelo menos outras duas mortes.
O proprietário da Kairos, Ueder Santos de Melo, foi preso no mês passado em conexão com as mortes. Seu advogado, Jean Braz, confirmou que representa Ueder nas investigações, mas não forneceu nenhuma declaração.
Relatos de internos e familiares: Cenário de terror
O UOL teve acesso às investigações e entrevistou ex-pacientes e familiares. Seus relatos pintam um retrato assustador das práticas da Kairos, que incluem internações forçadas, espancamentos e sedações.
Um ex-paciente de 35 anos, que pediu para permanecer anônimo, disse ao UOL: ‘Fui espancado, torturado duas vezes. Era ateu, mas comecei a rezar para um dia sair dali’.
Um vídeo obtido pela equipe de reportagem mostra um ex-paciente sendo retirado de uma ambulância e agredido com chutes e um pedaço de madeira por outras cinco pessoas.
Kairos: Uma comunidade terapêutica?
A Kairos se apresenta como uma comunidade terapêutica. Estas são entidades privadas que proliferaram no país nos últimos 20 anos, voltadas para o acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas.
A rede opera por meio de seis CNPJs diferentes e tem unidades em Juquitiba, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra e São Lourenço da Serra, todas em São Paulo.
Ueder Santos de Melo fundou a primeira unidade da Kairos em 2017. Três anos antes, havia sido condenado por assalto à mão armada no Paraná e cumpria pena em regime aberto. Em outubro, foi preso novamente, agora na investigação sobre a morte de Onezio.
Outros oito funcionários da clínica também estão presos temporariamente.
Ueder e a violência nas clínicas
Depoimentos de ex-pacientes, obtidos pelo UOL, colocam Ueder no centro das violações cometidas nas clínicas. Todas as fontes ouvidas pela reportagem descrevem visitas do proprietário às várias unidades – por vezes armado – e participação ordenando agressões e punições de internos.
Ele também participaria das chamadas ‘remoções’, operações para resgatar pessoas em suas casas para internação involuntária. A própria clínica fornece um laudo médico justificando a internação.
Pela legislação brasileira, a autorização de um familiar imediato acompanhada de laudo médico é suficiente para internação involuntária de dependentes químicos. As clínicas, porém, são obrigadas a notificar o Ministério Público, justificando a internação, em até 72h.
A realidade dentro da Kair
Em maio de 2022, o fotógrafo Paulino D’Oliveira, 51, foi imobilizado à força e levado para a unidade da Kairos em Juquitiba. Ele descreve uma rotina de violência quase semanal na clínica, onde os internos eram submetidos a espancamentos e uma rotina estritamente controlada por outros internos com mais tempo de clínica.
Paulino passou seis meses na Kairos e afirma ter sido agredido físicamente várias vezes. Por ser portador do HIV, precisava usar com frequência um colírio. ‘Eles não me davam sempre que eu pedia, e acabei não usando. Por causa disso, estou com sérios problemas na visão’.
Internações involuntárias e abusos
Silvia internou o filho Marcelo em julho de 2022 – ele estava usando álcool e cocaína. Após a internação na unidade de Juquitiba, Silvia teve que enfrentar a política da clínica que impede o contato entre internos e famílias no primeiro mês.
Marcelo descreve a experiência na clínica como a pior época de sua vida. ‘Desde o primeiro momento que pisei lá só vi agressão, xingamento, pessoas com problemas psiquiátricos, nada a ver com drogas. O diretor tinha o apelido de curandeiro, curava todas as doenças com porrada.’
A lucrativa e desregulada indústria das comunidades terapêuticas
É estimado que atualmente existam cerca de 80 mil pessoas internadas nas chamadas comunidades terapêuticas no Brasil, de acordo com um levantamento de 2022 feito pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e pela ONG Conectas Direitos Humanos.
O Ministério da Cidadania disponibiliza um mapa com as comunidades terapêuticas conveniadas com o Governo Federal. Nele, há 481 instituições espalhadas por todas as regiões do Brasil. Há ainda convênios estaduais e municipais espalhados pelo país.
‘As comunidades terapêuticas começaram a ganhar poder político, conseguiram grandes financiamentos públicos e agora elas viraram uma hidra. É a nossa política de cuidado aos usuários de drogas’, afirma o psicólogo Bruno Logan.
* Os nomes de alguns dos entrevistados foram alterados a pedido dos mesmos para proteger suas identidades
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